Outro dia li um post no Facebook, feito por um colega médico que dizia o seguinte:
“Liberado – Anfepramona e Femproporex – semana que vem estaremos prescrevendo”
Quase surtei!
Confesso que demorou um certo tempo para que eu pudesse digerir isso corretamente, refletir sobre prós e contras e resolvi compartilhar um pouco dessa experiência com vocês.
Também não quero com esse post julgar o colega ou dizer se ele está certo ou errado (isso não compete a mim), mas apenas trazer à luz algumas considerações.
Considerações sobre as Anfetaminas
1. As anfetaminas foram medicamentos utilizados nas décadas de 70, 80, 90 e até o início dos anos 2.000 para tratamento de obesidade. Naquela época não se conhecia muito bem os mecanismos metabólicos pelos quais temos fome ou saciedade. A droga (sim, é uma droga inclusive utilizada pelos caminhoneiros como rebite, para ficarem acordados noites e noites) tirava o apetite, e na época era isso que importava, não se pensando em eventuais danos. Não existiam outros medicamentos para isso também. Era “o que tinha para hoje”
2. Não pode ser utilizada por qualquer pessoa – hipertensos, diabéticos, pessoas com risco cardiovascular, portadores de depressão, ansiedade… Então seu uso deve ser criterioso e sob estrito cuidado médico.
3. Tem um grande potencial de dependência (vicia mesmo). Existiam clínicas para tratamento de dependentes de anfetaminas.
4. Muita gente já morreu tomando anfetaminas: como o medicamento gera tolerância (vai perdendo o efeito com o tempo), o paciente vai aumentando as doses para não engordar novamente, e acaba entrando em uma dose tóxica e perigosa, que pode levar à morte.
5. Drogas como o Extasy ou metanfetaminas, são nada mais que anfetaminas com efeito potencializado. Deixam seus usuários dançando dias a fio nas chamadas “raves”. Param de comer e de beber, podendo morrer por desidratação. Muitos se perdem durante as festas e são encontrados quilômetros distantes de onde estavam, sem que possam se lembrar como foram parar lá (existem histórias macabras sobre isso facilmente encontradas na Internet)
6. Nos países sérios, onde os serviços de fármaco vigilância funcionam elas são PROIBIDAS. Isso significa dizer que se um brasileiro entrar com essas substâncias em um país como os Estados Unidos, por exemplo, pode ser preso por tráfico, pois trata-se de substância proibida naquele país!
Argumentos a favor da Anfetamina
Quais são os argumentos a favor?
1. São baratas (mas no início vão voltar bem caras porque poucas farmácias vão conseguir manipular e não serão vendidas em farmácias “comuns” inicialmente, apenas em manipulações). Aí quem coloca preço é o mercado e a lei da oferta e da procura! Então, refazendo a frase: eram baratas até serem descontinuadas.
2. Alguns pacientes não respondem bem às medicações atualmente disponíveis para obesidade, e em casos muito selecionados poderia ser uma opção a mais, mas com todos os cuidados e acompanhamento necessários (não colocando um post no Facebook chamando o povo para se drogar)
Só relembrando, as medicações atualmente liberadas no Brasil para tratamento da obesidade são: Sibutramina, Orlistat e Liraglutida. Todas as demais (Bupropiona, Naltrexona, Fluoxetina, Topiramato e várias outras) são medicamentos para ansiedade, anticonvulsivantes ou medicamentos para outros fins, que são “adaptados” ou associados para o uso em obesidade.
Opinião pessoal sobre essa questão
O que este médico (eu, Dr. Sidney Senhorini) pensa a respeito do problema (obesidade) e seus tratamentos? (sim, ainda posso ter uma opinião pessoal, baseada em ciência e em 20 anos de profissão médica)
1. Obesidade é uma DOENÇA, e não um estilo de vida. A pessoa não é obesa porque quer! Obesidade não é sinônimo de preguiça ou desleixo. É apenas uma doença, e como tal ela deve ser tratada, de maneira séria e de preferência envolvendo uma equipe de médicos, psicólogos, nutricionistas e educadores físicos devido à complexidade que envolve seu tratamento e o APOIO que o paciente necessita.
2. Geralmente a obesidade está associada a fatores metabólicos que já são detectáveis pela medicina moderna (resistência insulínica, síndrome metabólica, hipotireoidismo, e tantos outros) mas que não eram bem estudados na época das anfetaminas. Logo não basta eu tratar a consequência do transtorno (a fome) mas descobrir suas causas e agir no cerne do problema.
3. Existem tratamentos seguros e eficazes para obesidade, com medicamentos que além de não gerarem dependência ainda protegem fígado, coração e previnem doenças como o diabetes. A idéia de que o medicamento para obesidade faz mal e deve ser usado por pouco tempo vem justamente da experiência pregressa com as anfetaminas, que faziam mal à saúde e tinham efeitos colaterais importantes. Atualmente a obesidade é considerada uma doença crônica, da mesma forma que diabetes ou hipertensão, e deve ser tratada cronicamente, com medicamentos que façam bem ao organismo!
4. O MEDICAMENTO NÃO CONSTITUI O PRINCIPAL COMPONENTE NO TRATAMENTO DA OBESIDADE!
5. É uma doença que pode ter tratamento clínico ou cirúrgico, como várias outras doenças. Médico e paciente irão escolher a melhor opção de tratamento baseado em indicações muito precisas.
6. Existem tratamentos sem o uso de medicamentos! Dieta Cetogenica, low carb, dieta mediterrânea e tantas outras modalidades puramente nutricionais que geram excelentes resultados. O medicamento não é um item obrigatório no tratamento da obesidade!
Na década de 90 até os anos 2.000 existia uma modalidade de médico que era chamado de “obesólogo”. Não tinham especialização alguma e viviam de vender fórmulas emagrecedoras em seus consultórios. Atraíam milhares de pessoas, na sua maioria mulheres jovens, para uma consulta de 5 minutos, onde mal examinavam o paciente e limitavam-se a perguntar: quantos quilos você quer perder? 10 quilos doutor! Então tome esta fórmula e volte em 30 dias.
Cansei de atender pacientes com complicações tireoideanas, crises hioertensivas, crises de ansiedade devido ao uso dessas fórmulas que combinavam anfetaminas, calmantes, laxantes, hormônios tireoideana, diurético e outras bombas! E isso irá acontecer novamente!
Também vi muitas dessas clínicas serem fechadas pela polícia e vigilância sanitária, e também participei como testemunha de alguns julgamentos desses “médicos”. Alguns julgados por homicídio pela morte de pacientes causada pela associação dessas substâncias.
Voltando ao anúncio
“Liberado – Anfepramona e Femproporex – semana que vem estaremos prescrevendo”
Que Deus nos ajude! E, principalmente que ilumine a mente de milhares de pessoas que ainda insistem em colocar a própria vida em risco à espera de um milagre!
Obesidade é uma doença séria!
Tem tratamento!
E o tratamento deve ser feito com seriedade!
No país onde proliferam “doutor bumbum”, médicos bombados prescritores de anabolizantes, doutores milagrosos prescritores de soros mágicos e todo o tipo de picaretagem que não deveria existir em uma profissão tão nobre como a medicina, vamos assistir sentados o retorno do “doutor anfetamina”! Com direito a anúncio na Internet!
Mais uma vez eu clamo: que assim Deus me ajude!
Pronto, falei!
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